Nas comemorações dos 32 anos da nossa querida república pude contar a alguns moradores e ex-alunos um pouco da história da formação da República Pasárgada. Queria eu estar escrevendo este texto a 25 anos atrás. Hoje aos 50 anos de idade a memória já me trai ao tentar relembrar fatos que ocorreram a tanto tempo.

Era o segundo semestre de 1981 quando a UFOP construía 10 novas casas próximas ao Campus Morro do Cruzeiro. Casas essas que seriam destinadas aos seus estudantes para a formação de novas repúblicas ou para que repúblicas particulares já existentes pudessem ocupá-las. Para isso seria necessária a formação de grupos de 20 pessoas para que se tivesse direito a ocupar uma das casas. Como foram formados mais de 10 grupos tornou-se necessário a realização de um sorteio para definir quais grupos teriam o direito a se mudar para as novas casas. Esse sorteio aconteceu no pátio da Escola de Minas no final do semestre e fomos contemplados.

Mas quais eram os que compunham esses 20 primeiros nomes que seriam os futuros moradores dessa nova república que até então nem nome tinha? Impossível relembrar. Nem todos os que compunham a lista se mudaram para o Campus Universitário, segunda ala, casa 2D… Aliás, quando fomos sorteados, escolhemos a última casa da segunda ala já pensando numa futura expansão da república, o que veio acontecer anos mais tarde.

Quando voltamos de férias, no primeiro semestre de 1982, em abril, pudemos nos mudar pra nova casa. A lista dos 20 moradores era formada principalmente por bixos ou semi-bixos do ano de 1981, ou seja, quase todos ingressaram na UFOP no ano de 1981. Se não me falha a memória, eu era o único que no semestre anterior morara em república. Todos os demais eram moradores de pensão em Ouro Preto. E, na realidade, apenas 19 se mudaram inicialmente para a república. A lista com os nomes dos que teriam o direito de se mudar para república era constantemente alterada. A obrigatoriedade de se ter uma lista com 20 nomes nos obrigava, por vezes, incluir nomes de pessoas que ainda tinham dúvidas quanto a morar em república e também no Morro do Cruzeiro. Vou tentar aqui relembrar o nome da cada um:

Estudantes de Farmácia:

01-Aluísio Temponi Leite, Capeta, de Santa Maria de Suaçuí, MG
02-José Daniel Gonçalves, de Ubá, MG
03-César Aleixo, Bronha, de Itaperuna, RJ
04-Marcelo da Silva, Tchê
05-José Marcial Soares Magalhães, Pig, de Governador Valadares
06-Getúlio Ferreira de Magalhães, de Patos de Minas, MG
07-Max Jean de Ornelas Toledo, de Matipó, MG
08-Paulo de Tarso Collares Távora dos Santos, Paulão, de Santos, SP
09-Antônio Henrique Lima Figueiredo, Monlevade, de João Monlevade, MG

Estudante de Nutrição

10-José Luiz Baeta Neves, de Conselheiro Lafaiete, MG

Estudantes de Engenharia Geológica

11-Manoel Martinho Júnior, Tirisco, de Assis, SP

12-Fernando Machado de Mello, Goiano

13-Fernando Fernandez, Leitinho, de São Paulo, SP

Estudantes de Engenharia de Minas

14-Sérgio Eustáquio Neto, Cuzim ou Serginho, de Araguari, MG

Estudantes de Engenharia Metalúrgica

15-Marcelo Tardin Alves, PDS, de Vitória, ES

16-Ivanir Luiz de Oliveira, Costelos, de Barbacena, MG

Estudantes de Engenharia Civil

17-Enrique Raúl Cavero Gallegos, Jack, do Peru

18-Cassiano José Vieira Neto, Degas, de São Francisco, MG

19-Sérvio Túlio Portela, de Divinópolis, MG

Como dito anteriormente, apenas 19 ocuparam a casa inicialmente. O vigésimo morador trata-se de Marcos Valério Perón, que ingressou na UFOP no ano de 1982, estudante de Farmácia, da cidade de Carangola. Marquinhos, como era chamado, não participou do sorteio e nem da escolha da casa. Também não foi considerado como sendo o primeiro bixo da casa pois não passou pelo processo de escolha. Integra assim a lista dos fundadores da república. O primeiro bixo da república foi o Bixo d’história, que ocupou a vaga de algum morador que tenha saído algum tempo após a inauguração da república. Se não me engano, foi Leitinho o primeiro morador fundador que saiu para voltar a morar no centro de Ouro Preto.

Voltando à formação da república, quando formamos o grupo e nos mudamos não tínhamos absolutamente nada, nenhum objeto para a nova casa. Fui designado, então, a ser o primeiro presidente com o objetivo de começar a comprar tudo o que era mais necessário para a ocasião: copos, talheres, material de limpeza, etc… Começamos do zero… Como não havia ainda infra-estrutura no Morro do Cruzeiro, o jeito era comprar tudo no centro de Ouro Preto e subir, de ônibus, carregando tudo. E, devagar, fomos adquirindo o que era necessário para a formação da república: fogão, geladeira, som, tv. Muitas das mesas dos quartos foram feitas com madeirites “adquiridos”, à noite, nas obras do ICEB. Quando nos mudamos alguns prédios no campus ainda estavam em construção. Se não me engano, as prateleiras/armários da cozinha tiveram a mesma origem das mesas dos quartos.

Nós, moradores das novas repúblicas, éramos facilmente identificados em sala de aula: chegávamos com os pés cheios de barro ou poeira vermelha. Muitas vezes passávamos por entre as retroescavadeiras que trabalhavam no campus.

E quanto ao nome? Afinal éramos um grupo formado por pessoas que mal se conheciam. Não vínhamos de república existente no centro de Ouro Preto, como a Convento, por exemplo, e nem da fusão de outras, como a Doce Mistura, que se formou da aglutinação de duas outras repúblicas, Bombonière e Mistura Fina, e completou o grupo de 20 com ex-moradoras de pensão. Precisávamos dar um nome à nossa casa. Minha memória, mais uma vez me trai. Me lembro que fizemos algumas reuniões para escolhermos o nome, mas não me lembro de quais nomes foram sugeridos. Me lembro apenas que o nome Pasárgada foi proposto por Marcial, o Pig, e, numa reunião, escolhido. Com certeza, acertamos em cheio na escolha do nome.

E por falar em reuniões, vixe Maria… Como eram tensos esses momentos. Quanta discórdia. Difícil sempre chegar a um denominador comum. Mas também, num grupo de tantas pessoas que mal se conheciam, com pensamentos extremamente diferentes, jovens “imaturos”, totalmente inexperientes no que diz respeito à convivência com pessoas de diferentes comportamentos sob o mesmo teto. Impossível haver harmonia. Aliás, quando vejo as placas comemorativas afixadas hoje nas paredes da república com os dizeres “anos de perfeita harmonia” sempre me vem à memória as nada-harmônicas reuniões da república. Meu Deus como eram estressantes esses momentos. Mas, também, com certeza, crescemos e muito por causa dessas ocasiões. Aos poucos fomos adquirindo maturidade. Fomos aprendendo o processo de convivência com o outro, principalmente longe da família. O reconhecimento dos direitos do outro e de nossos direitos foi fortalecendo. Hoje, quando retorno à República Pasárgada, percebo, sinto, o quão forte é a amizade entre os que por ela passaram. Tornamo-nos uma família. Uma família que não para de crescer, em todos os aspectos. Sempre um novo irmão chega para dar continuidade e fortalecer os laços de amizade entre todos. Aqui deixo o meu agradecimento a todos os que vieram logo após a fundação – Halley, Kossador, Rilke, Baú, Jacozinho, Mirim, Tiãozinho, Toninho e tantos outros que souberam, com maestria, contornar todas as dificuldades e todos os empecilhos pelos quais passaram e fazer com que a república se tornasse uma verdadeira família.

Agradeço, também, àqueles que por ela passaram durante os anos em que estive ausente. Passei longos anos sem retornar à república – talvez uns 10 anos. Quando retornei, acho que no ano de 2007, fui muito bem recebido pelo hoje ex-aluno Solitária. Cheguei para a comemoração do aniversário da república, no entanto a festa havia acontecido na semana anterior… O jeito foi participar apenas das comemorações do aniversário da República Doce Mistura. Recebi, nesse mesmo dia, pelas mãos do Solitária a placa comemorativa pelos meus 20 anos de formado. E infelizmente, imediatamente em seguida, fui obrigado a fazer a devolução da mesma pois meu nome havia sido gravado de forma incorreta. Sem problemas, dias depois recebi a placa com meu nome correto. Depois desse retorno, tenho comparecido a todas as formaturas e comemorações do aniversário da República. Já são sete ou oito anos seguidos em que compareço. Aos poucos procuro conhecer um pouco da história de cada um que por lá passou durante essa minha ausência.

Este ano, nas comemorações da formatura do Epatite o pai dele me disse que eu era responsável por tudo aquilo que estava acontecendo, com um detalhe, o pai dele, que também é pai do Kpote, outro ex-aluno da Pasárgada, é mais novo que eu. Na semana seguinte, pós-formatura, nas comemorações dos 32 anos da república, o ex-aluno Marmota, chega perto de mim e simplesmente diz: “obrigado”… sem entender o motivo de tal agradecimento, quis saber o porquê. Foi quando ele respondeu: obrigado por tudo isso aqui, apontando para a República Pasárgada…

Esses dois acontecimentos me fizeram, ainda mais, refletir o tanto que a república é importante na minha vida. O tempo em que estive ausente nem sempre é entendido por todos. Acho que nem eu mesmo saberia explicar. Nem sei se é necessária uma explicação, e na realidade Marmota, o “obrigado” dito por você é extensivo a todos que pela República Pasárgada passaram: aos amigos, familiares, bixos batalhadores, moradores e ex-moradores. Todos nós fomos, somos e sempre seremos responsáveis por essa nossa casa.

O que posso hoje dizer é que a República Pasárgada é uma casa formada por vários irmãos, de diversos lugares, diferentes tempos, diferentes pensamentos, diferentes comportamentos… O essencial é continuar nessa eterna batalha, respeitando uns aos outros, fortalecendo os laços de amizade e sempre em busca de uma perfeita harmonia, que espero que nunca seja encontrada.

A República Pasárgada “é outra civilização”, onde “a existência é uma aventura”. Sempre que puder, “vou me embora pra Pasárgada”.

 

Divinópolis, 20 de junho de 2014

Sérvio Túlio Portela – Tulipa.

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